sexta-feira, 3 de março de 2017

[Resenha] 30 e poucos anos e uma máquina do tempo - Por Mo Daviau



Título: 30 e poucos anos e uma máquina do tempo
Autor (a): Mo Daviau
Páginas: 304
Editora: Rocco
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Sinopse: Imagine poder viajar no tempo para assistir a qualquer grande show da história: os Beatles no Shea Stadium ou no telhado da Apple Records, o Nirvana em um bar minúsculo de Seattle ou Miles Davis no lendário clube Birdland. A norte-americana Mo Daviau transformou esse desejo em realidade no engenhoso 30 e poucos anos e uma máquina do tempo, uma espécie de cruzamento entre De volta para o futuro e Alta fidelidade protagonizado por Karl e Wayne, dois amigos de meia-idade que descobrem um meio de voltar no tempo para assistir a shows incríveis, e a ganhar dinheiro com o negócio. Tudo vai bem até que Wayne decide o óbvio: interferir no passado. Afinal, quem dispensaria a chance de reescrever uma ou outra linha da própria história? Movido a música e romance, 30 e poucos anos e uma máquina do tempo é uma espirituosa, e um tanto nostálgica, reflexão sobre sonhos, escolhas de vida e a passagem do tempo.

Karl é ex guitarrista de uma banda chamada Axis, que fez sucesso no final dos anos 90, bem quando, no seu auge, os membros da banda tiveram um desentendimento e decidiram seguir caminhos separados. Agora, aos 40 anos, Karl é proprietário de um bar em Chicago e vive com a cabeça no passado: nas bandas de rock antigas, na glória de ter vivido a fase dos 20 e poucos anos durante os anos 90, sem contar que ainda é obcecado por Meredith, sua namorada da época.

Até que um dia, enquanto procura desesperadamente pelo seu velho coturno dentro do armário, Karl é transportado para um show no qual esteve meses antes, e, retorna ao presente após tentar usar o celular. Karl não entende o que houve e conta o que aconteceu ao seu melhor amigo, Wayne, um nerd de computadores. Wayne deduz que se trata de um buraco de minhoca (a teoria existe de verdade, quem tiver curiosidade, dá uma olhada no Google), e cria um programa no computador que lhes permite viajar no tempo, e um aplicativo no celular que lhes permite voltar ao presente quando quiserem.

"Wayne e eu compartilhávamos daquela aflição comum que assola homens solteiros com perspectivas limitadas e tendências autodestrutivas: víamos nosso passado com tamanho amor e sensação de perda que todo dia à frente era uma facada nas entranhas. Nossos vinte anos tinham sido cheios de rock e coragem. O futuro nos deixou mais velhos, mas nossa sabedoria era duvidosa." Página 9

Karl decide usar o buraco e até ganhar dinheiro com ele, mas estipula algumas regras. Primeiro: somente um grupo seleto de pessoas poderá saber da máquina e pagar para viajar nela. Segundo: a máquina só poderá ser usada para assistir shows de rock antigos, e os viajantes não poderão interagir com o passado e muito menos tentar mudá-lo. Mas, é claro, não demorou muito para que alguém decidisse quebrar as regras.

"Regra número um: o buraco de minhoca só devia ser usado para ir a shows de rock do passado. Isso mantinha a experiência pura e livre da tentação de obter uma vida melhor. Além disso, por que precisaríamos de música se nossa vida fosse exatamente como gostaríamos que fosse?" Página 13

Wayne acha que a máquina poderia ser usada para o bem, e quer voltar ao passado para salvar a vida de um astro do rock, no entanto, depois de um erro de Karl, ele vai parar no ano de 980 em vez de no ano de 1980. Qual o problema? É só trazê-lo de volta, certo? Errado! O aplicativo que Wayne criou para levá-los de volta ao presente depende da energia elétrica do ambiente, e, ops!, não existia energia elétrica em 980.

"[...] Estaríamos obrigados a matar Hitler, libertar os escravos, inverter as eleições de 2000, e socar o saco de cerca de 50 milhões de bullies em escolas primarias. Prefiro limitar minhas obrigações morais a não transar com mulheres casas e doar dinheiro para a Cruz Vermelha. Página 27

Karl sabe que não conseguirá resolver o problema sozinho, e decide procurar ajuda. É quando contrata Lena, uma física com estilo punk e cheia de tatuagens, que pensa estar sendo vítima de uma piada a princípio, mas que depois fica fascinada com o buraco e parece disposta a ajudar a recuperar o Wayne.





Em primeiro lugar devo dizer que o livro não é o que eu esperava quando li a sinopse. Pensei que seria uma leitura leve e despretensiosa com algum toque de reflexão quanto a ficar preso no passado e esquecer-se de viver o presente. Eis o enredo que eu imaginei: até metade do livro os personagens viajam no tempo para assistir shows de rock antigos, se divertem, relembram o passado, até que algo ruim acontece e eles passam a outra metade do livro tentando reverter a situação.

Mas não é isso que acontece. A parte da diversão de assistir aos shows não é retratada, mas sim brevemente relatada no começo do livro e a estória começa de verdade quando Wayne é enviado para o ano errado sem querer. Então o enredo é basicamente uma sucessão de viagens para o passado, mudando fatos importantes da vida dos personagens, - o que, obviamente, gera conseqüências, inclusive o desaparecimento de uma pessoa -, e espiadas ocasionais no futuro.


Agora quem está lendo esta resenha se pergunta: eles estavam mudando o passado e gerando conseqüências indesejadas, certo? Então porque não pararam com isso? Alguns personagens estavam sendo basicamente egoístas. Para que se importar com o que acontece com os outros se a vida deles está melhorando?

"Julgamos demais. Confiamos em uma economia desumanizante. Somos egoístas e não temos ideia de como viver e compartilhar em um coletivo, mesmo enquanto expressamos nosso respeito pela palavra." Página 189

Por falar em personagens, vou escrever um pouco sobre eles agora. Como eu escrevi anteriormente, Karl é um homem de 40 anos que vive obcecado com as glórias de seus vinte e poucos anos vividos na década de 90. Ele ainda é apaixonado por Meredith, sua namorada da época. Só que, no decorrer do livro, ele descobre que ainda é apaixonado por quem? A Meredith da era dos anos 90, e, não por quem ela é agora, e se permite se aproximar cada vez mais de Lena, a física com estilo punk.

"Todo mundo é estranho a seu jeito. Wayne usava casaco de inverno no verão; eu gostava de comer colheradas de maionese salpicada com sal condimentado Lawry’s parado pelado em frente a porta da geladeira. O truque era não assustar os outros." Página 21

Lena não é uma mocinha convencional. Para começar ela tem o que Karl chama de ossos largos, ou seja, é gordinha. Ela tem um estilo punk e um monte de tatuagens pelo corpo. E, apesar de assumir a postura de uma mulher durona, também é atormentada por fantasmas do passado. Ela não teve uma vida fácil, e, por isso, tem que tomar antidepressivos, o que faz com que ela viva como um robô - como ela diz -, justamente porque não consegue sentir as coisas intensamente e fica apática a maior parte do tempo. Mas nem isso impede que fique empolgada com a perspectiva de estudar um buraco de minhoca quando Karl a contrata para salvar Wayne.

"Comecei a entrar em pânico. Estava depositando confiança em uma pessoa porque ela usava uma camiseta do Melvins, porque seu cabelo era azul e porque parecia o tipo de garota que gostaria de uma viagem de volta no tempo para ver uma banda." Página 33

Wayne é um homem rico, que tem um emprego fixo e é extremamente solitário. Para vocês terem uma noção, ele ficou amigo do Karl porque não queria ir embora do bar quando Karl queria fechá-lo e se oferecia para esfregar o chão para poder ficar mais tempo. Ele está totalmente insatisfeito com a carreira e com a vida que leva e Karl é uma espécie de terapeuta para ele.

"Quis dar tapinhas em sua cabeça de forma maternal, mas também queria lhe dar uma porrada e dizer que parasse com aquilo. Eu nunca tivera um amigo como Wayne antes, alguém simpático, doce, superinteligente e em quem eu podia confiar completamente, mas que às vezes era o equivalente de trinta e seis anos de um bebê birrento." Página 25

O romance entre Karl e Lena começa de uma maneira um pouco abrupta, em minha opinião. Ele sente atração por ela desde o começo, mas o que ela sente é uma incógnita na maior parte do tempo. Durante a leitura eu não sabia se torcia para eles ficarem juntos ou se achava que ambos ficariam melhor se cada um seguisse sua vida.

"O cérebro humano, quando exposto a anos de tristeza, nunca compreende nada nem se aperfeiçoa, e viagens no tempo só pioram as coisas." Página 197

O livro foi escrito em primeira pessoa através do ponto de vista do Karl. A narrativa da autora é leve e fluída. Eu só achei o livro um pouco confuso pela sucessão de viagens ao tempo e espiadas no futuro. Como o passado dos personagens mudava, e, isso afetava o presente, as estórias começaram a se sobrepor e, às vezes, eu demorava a pegar o fio da meada de novo.


A edição está linda. A capa super colorida e condizente com o conteúdo. O livro também tem orelhas e conta com um miolo com folhas amareladas e letras e espaçamento com tamanhos ótimos. Não encontrei erros de correção e realmente não tenho o que reclamar em relação à edição.

"Quando eu retorno do passado, sento sozinho com um caderno e escrevo as letras das musicas que acabara de ouvir ao vivo. Letras de música são um tipo especial de poesia que toca direto em sua essência e o ajuda a sentir algo além de tristeza e fracasso." Página 16

Por fim, indico esse livro para quem se interessa por viagens no tempo e gosta de músicas antigas (rock). É um livro um tanto reflexivo, que mostra como cada pequena decisão que tomamos pode afetar nosso futuro. E também nos faz refletir sobre realmente viver o presente. Será que aquela época que achamos que foi a melhor das nossas vidas foi tão boa assim? Será que vale a pena ficar remoendo o passado quando temos uma vida para viver no presente? Resumindo: é um livro muito interessante, que traz uma mensagem importante e que vale a pena ser lido.






Playlist:
Galaxy 500 - Tugboat e Blue Thunder.
Elliott Smith - St. Ides Heaven e Nedle in The Hay
Edward Corey - Doubtful Guest



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